Comentários ao Projeto de Lei nº 3.401 de 2008
- mdm-adv
- 1 de dez. de 2022
- 4 min de leitura
Por *Eduardo Silva Gatti e
**Mariana da Silva Piolla
No dia 22 de novembro de 2022, o plenário da Câmara dos Deputados concluiu a votação do Projeto de Lei nº 3.401 de 2008 [1], que disciplina o procedimento de responsabilização dos sócios pelo passivo da pessoa jurídica, por meio da Desconsideração da Personalidade Jurídica. O Projeto fora apresentado em 2008, aprovado pela Câmara em 2014 e remetido ao Senado Federal ainda em 2014, onde foi proposta Emenda/Substitutivo em 2018 [2].
A redação original do Projeto de Lei, anterior ao Código de Processo Civil de 2015, criava um procedimento específico para a Desconsideração da Personalidade Jurídica, impondo, por exemplo, a observância do contraditório e ampla defesa aos sócios que se buscava incluir no polo passivo (art. 3º), a autuação em apartado, como incidente (art. 3º, §1º) e as necessidades de ser ouvido o Ministério Público (art. 5º) e de ser possibilitada ao sócio a satisfação da obrigação ou a indicação dos meios pra satisfazê-la (art. 5º, §1º).
Embora o Projeto de Lei não tenha sido aprovado por ambas as casas antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, esse diploma processual incorporou algumas das proposições ali descritas, notadamente a instauração de incidente próprio e a oportunidade de manifestação da parte contrária, anteriormente à decretação da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Assim foi que o Substitutivo do Senado, editado já na vigência do Novo CPC, propôs, no lugar da criação de um novo procedimento, a modificação dos Códigos Civil, de Processo Civil e do Consumidor, além da Consolidação das Leis do Trabalho.
Esse Substitutivo buscou adequar a proposição à normativa vigente, trazendo a reboque, contudo, alterações significativas, como a impossibilidade de atingimento dos bens do investidor que não tenha atuado na gestão da pessoa jurídica (art. 1º; art. 50, §2º) e dos bens adquiridos pelo sócio ou administrador da pessoa jurídica antes do ingresso na sociedade, excetuados casos em que esses bens sejam utilizados por ela ou que essa transmissão tenha se dado em fraude (art. 2º; 137-A).
O Substitutivo, entretanto, foi rejeitado pela Câmara, que encaminhou para sanção/veto o texto original do Projeto, o que na data de publicação destes comentários ainda estava pendente.
Não se ignora que, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a ausência de um procedimento específico para Desconsideração da Personalidade Jurídica, buscando coibir abusos praticados pela pessoa jurídica, amiúde criou situações de abuso praticadas pelo credor dessa pessoa jurídica, que conseguia o redirecionamento do processo para os sócios ante a simples ausência de bens daquela, sem, necessariamente, demonstrar a ocorrência dos requisitos impostos pelo art. 50, CC (desvio de finalidade da pessoa jurídica ou confusão patrimonial), e isso sem sequer ouvir a parte adversária, que, muitas vezes, na fase executiva, era incluída no polo passivo, já com determinação de constrição dos bens.
Nesse contexto, o Projeto de Lei, quando proposto, no ano de 2008, trazia um avanço importante e significativo para imposição de procedimentos e critérios mínimos para a Desconsideração da Personalidade Jurídica, o que, embora, num primeiro momento, possa parecer contrário aos interesses do credor, em verdade, melhor se coaduna com a boa prática forense e com o respeito aos princípios constitucionais basilares e fundamentais do contraditório e da ampla defesa, princípios esses que atendem a interesses sociais.
De outro lado, no ano corrente, o Projeto de Lei se mostra redundante e ultrapassado do ponto de vista processual, vez que se propõe a disciplinar um procedimento que, hoje, já é tratado pelo CPC.
Já sob o ponto de vista material, as alterações propostas são inquietantes aos credores, especialmente pelo descomedimento da implementação de certas medidas, como (i) a necessidade de ser ouvido o Ministério Público, cuja constitucionalidade é absolutamente discutível, vez que carrega um juízo de que a proteção do empresário e da atividade empresarial seria um interesse social indisponível; (ii) a disciplina de que a caracterização da fraude à execução praticada pelos sócios está subordinada à citação/intimação desses no incidente e, sobretudo, (iii) a limitação à legitimidade passiva para figurar nesse incidente.
Ainda sob essa perspectiva, o Projeto de Lei nº 3.401 de 2008, que foi vanguardista e relevante a seu tempo – embora não sem que se critique a série de obstáculos que impõe ao credor vítima de fraude praticada pelo devedor –, não parece se coadunar com a normativa vigente e, no cenário atual, se mostra insuficiente no enfrentamento de questões práticas que permanecem sem disciplina, como o atingimento de outras empresas que, junto à devedora, componham um grupo econômico ou mesmo o procedimento que se deve observar para reconhecimento de sucessão empresarial.
À economia interessa a proteção ao empresário, e o mesmo se diz em relação aos próprios credores, ainda que essa compreensão demande a análise do tema sob uma perspectiva mais ampla do que a simples recuperação de um crédito pontual – é preciso que o empresário seja resguardado, sob pena de se desestimular o animus de empreender.
Noutro giro, o risco de crédito é o que dá o tom da economia, e, nesse sentido, é igualmente de interesse econômico e social que não se esvazie a possibilidade de se reaver o crédito, devendo o Estado oferecer ao credor os instrumentos necessários à persecução do direito de satisfação, principalmente, quando indício de fraude, confusão patrimonial e abuso da personalidade jurídica por meio do desvio de finalidade.
O Projeto de Lei, sob essa ótica, foi responsável e adequado quando se propõe a proteger o empresário e, com isso, fomentar a atividade empresarial, porém censurável na forma excessiva como o faz às custas do credor, fixando marcos temporais absolutamente desproporcionais e que, em final análise, premiam, não a inadimplência do empresário sério cujo negócio não teve sucesso, mas a chicana daquele que escolhe não pagar os credores, e, ainda, na forma tímida como o faz em relação a inúmeras situações fáticas que ainda permanecem sem disciplina legal.
Por fim, considerando-se que o Projeto, nesta data, ainda está pendente de sanção presidencial, há um fio de esperança aos credores de que possa ser implementado o veto integral ou, pelo menos, que esse se aplique às disposições dos artigos 5º (intervenção obrigatória do Ministério Público) e 7º (marco temporal para declaração de fraude à execução). Aguardemos.
[1] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0l1tcps2aozv713icmg5i2v22j497626.node0?codteor=562997&filename=PL+3401/2008
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*Eduardo Silva Gatti é sócio da DMG Advogados, graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2004). Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPDIR). Mestrado em Direito Empresarial pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia (Lisboa, Portugal).
**Mariana da Silva Piolla é advogada associada da DMG Advogados, graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2018).

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